corra e olhe o céu s/sp

para nicolas soares


foi uma das coisas mais bonitas que li nesses últimos meses, semanas. especialmente nesse dia cinza cá num calor incompreensível, meu menino ardendo de febre na cama de casal. a bateria acabando e eu não conseguindo escrever, porque choro como nunca. cartola moendo as notas no tempo, no cotidiano e eu correndo pra deixar vir aquilo que esteve em silencio, a vida que não quis ser escrita. meu corpo coberto de hera. cheio de uma memória tátil, muito menos que ideia que pode a escrita descrever. pouca certeza, muitos adjetivos, assim que escrevo, cheia de perguntas. enraizo um agora, agarro-me ao movimento de dedos que me cura, neste teclado omolu.
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seco-me tem hora.
ai não vem o fluxo.
fica uma razão sem corpo, num fluxograma sem sentido, uma taxonomia onde não me inscrevo.
uma água de sal, sanitária, cobre de brancos o passado recente e não me lembro de nada, me lembro do nada, isso que agora no tempo percorro com as mãos, este vazio coberto de hera.
não sinto saudades. não sigo modas. fragmentei as linhas de número que nomeiam domingo a domingo. transcorri, sangrando, sem nada ver. fiquei com letrinhas pequenas sem lupa. foi tudo, eu explique a ele, que diziam aquelas coisas bonitas que me emocionavam, foi tudo naquela bolsa. um bloquinho de garranchos, o livro dos acasos. as pontas dos lápis se gastaram, fiquei sem lâmina. interrompi meu fluxo, pousei no passado presente demais, dispersa demais. deixei água parada, não soube acender o fogo.
uma contradição de ser origem e presente ao mesmo tempo, mãe e mulher de muitos homens, contemporânea de mortos, de palavras defuntas que gravaram o papel.
mas para que publicar, apertar o botão e dizer isso em megafone cibernético?
por que encarnar o tempo de palavras se não para viver o dia?
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me pouso a cada ponto, caminho muito devagar pelas linhas que se desdobram das mãos. peço licença para de repente ir indo mais devagar, sem turbilhões, sem me furacanizar, eu disse a ele. caminho em frases sem saber o que são, dando vazão as minhas mãos cheias de água. mato se habituar-me a todo dia aguar as plantas. morro na sequencia de hábitos que nunca deixam de me frequentar.
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percorro o mato baixo que se formou em meses, semanas, quando não consegui ver o que nasceu, o que deixou de brotar, o que matei de amor.

Um comentário:

  1. Deixo a hera tomar conta e arraigar-se com os anos. O que não consegui ver crescer. Sei que está crescendo por baixo. O que não brotou, sei, foi impedido de nascer. E o muro? Foi o que matei de amor.

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