escrevo contra tirania do silêncio, foi isso que minha mãe me ensinou. e porque era muito boa de oratória, sabia colocar nas palavras aquilo que achava que era. mas eu podia ver muito nitidamente, na verdade, passei um dia a enxergar essas coisas que só se vê em muitos anos de intimidade, que ela acreditava demais naquilo que achava que eram os acontecimentos na linha da vida, vestia demais o personagem, escrutinado pelo caleidoscópio da narrativa, que invariavelmente iria embaralhar tudo outra vez. edith se desespera ao ver que de novo seguirei sem método, sem ordenamentos exatos reunidos em nó. tinha a exatidão e a rigidez do significado. como um gesso. e não era assim que eu queria nominar tanta vida, tanto mar. era de um jeito malemolente, uma rotação de palavras, um carrocéu de fiquesão.








não quero engessar a experiência com a narrativa, explico à mãe. então ela retruca que isso é não pensar em nada, isso é ilusão, minha filha. eu discordo e afirmo que esse é o lugar da invenção, é o meu lugar de escrita. que não era significado com significante. que eu acreditava mesmo na delicadeza das relações pela sutiliza que fazia delas únicas e especiais. como uma grande teia, essa narrativa. não tinha bem e mal. as pessoas eram ambivalentes, passíveis de mudança. ela sorri porque sabe que é ingênuo. ou uma coisa é ou não, meu amor.   mas as coisas não são os nomes, aumento o tom de voz. aliás, cabem mil nomes nas coisas quando quer se nomear uma sensação, uma pessoa. ela meneia a cabeça porque tem certeza. quando tiveres um menino na barriga, ele pode te ensinar que a vida tem um significado mais concreto, mais pedra. isso se você deixar. porque como eu sempre digo, isso são alucinações juvenis. uma adolescência tardia. eu canto pra viver, reluto. vivo e morro muitas vezes. me refaço. mania de cigarra, diz ela.  

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