estou há horas sentada na praia de iemanjá em busca de rosa. muitas embarcações chegam e partem, nenhuma é o pradianti. entro nas ruínas de uma casa abandonada.  foi muito tempo que passou, doutor. eu não me lembrava como tinha chegado até ali. o vento sul zuninha meus cabelos e me levava para um tempo que era totalmente desconhecido, do esquecimento, o tempo da lonjura.
mas uma hora, como um vulto de mar,
veio um lapso e me passou o velho apartamento de rosa.
o rapaz cantando, ao violão de uma das sala - a flor do velho, me curou. o sol se recolhendo em mais um ocaso, um ocaso do vento forte. tive essa imagem e me lembrei de repente de rosa, não, eu vi o relance de rosa na casa abandonada, com os olhos em brasa. como um sol enorme iluminando a parede de escritos, lambendo a casa inteira com sua chama; secando tudo até virar pó. rosa, uma fogueira surgindo no meio do mar.
eu não queria novamente ouvir, voltei ao tempo neblinado da memória, respirei e disse - pra que ela escutasse - eu não quero mais ouvir você me narrar essas histórias repetidas do mar, rosa. essa doença de sua mãe.

-a poeta profeta que delira e funda na poesia o sonho, o desejo - ela, então, me enfrenta.

senta-se e me encara mareada e carnavalesca. era possível ver bem quando rosa estava mareada. ela tinha um olhar fundo como o das sereias. e uma obstinação das ciganas. era pura explosão .



e ela me disse



f a t - a l
y   v u l c â n i a :


- a paixão é leme, irmã. ando colecionando palavras. olhando bem perto para as miudezas os desperdícios as cordas que me exigem toda a força dos meus braços e só os meus braços, irmã, a apertar os nós de cada porto,
você coleciona pedras, nega, você não sabe do que está falando. não sabe ser água, abrir caminho por dentro da água.
eu vivo inteira dentro desse pradianti. e eu não paro; nunca mais. eu não teço espera como minha mãe. eu parti, moça, essa coragem eu tive, eu parti. de maneira drástica incendiária abrindo tudo que fosse caminho, eu peguei aquele barco e não voltei nunca mais.


o acaso, o transitório, o errático. esfria esses pés, rosa. enterra o coração no quintal. é muito arriscado viver no mar.

- nós somos um povo do mar, me diz, incorrigível.
você que cata essas palavras como pedras. me deixa navegar no acaso. é você que escreve, que emoldura o tempo. não bote palavras na minha boca. eu sou livre. eu












passamos muito tempo em silêncio. nós duas e o insuspenso não dito depois do dito.

ela me disse, bem mais serena, você quer colecionar palavra feito pedra. eu quero navegar o acaso, nega.

- assim você não tece, você se desfaz.

- por que diabos eu preciso tecer territórios afetivos? por que diabos o amor? no mar, é a vida que grita. não tenho tempo para o delírio. não vê? você é a delirante, morena do mar, você é da beira. não escutas o assobio de caymmi nos seus ouvidos? a incerteza também está com você, mana, somos um povo do mar e você também ama os canoeiros, que nunca ficam, que sempre voltam.  que vivem do risco, embora ancore alguns dias no seu quintal. quero essa sina ao revés, a favor do acaso, do mistério da vida. o caminho é um só e pode ser vários.

ouço tudo
inteira e partida
como ela

e me boto marítima solene e profana
me boto n e la
a caminho do ar marinho.
















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