voltar. tirar a venda dos olhos e voltar. tirar o gelo do que machucou, passou, voltar. um pouco surda, um pouco muda, um pouco com a juventude nos dentes, mas voltar. eu preferi não começar de novo, disse a caioá. veja, pra que começar tudo outra vez, essa coisa toda de onde se escreve dezenas de dramas de bar, sambas-canções. mas antes lembrar que você foi embora mesmo, ele disse e eu repeti, eu fui embora mesmo. o que que tem perder a mão, me diz para minha surpresa, tão crítico que ele é com meu texto. ajeita os óculos redondos, abraça um pouco as pernas, puxa um baseado com elegância. começa a chover de novo. meus seios tocam minha pele ainda de calor. mas limpos, não molhados. ouço mais a chuva do que ele, olho fixo o telhado molhado refletindo o marinho da noite, que mesmo assim tem estrelas muito perto do nosso andar alto, do nosso longe-perto dos acontecidos na memória, naquelas ruas por detrás do prédio. olho muito para esgotar a imagem, com tudo aquilo nos ouvidos. ele apaga a luz porque prefere a luminária da tela e põe um som. quero ser sincera e dizer que na verdade eu não sinto é mais nada, que sinto mais o nada, mesmo, ele, inteiro, ali, nos vazios das portas. ele sabe que meu corpo se enferma um pouco de excesso de silêncio por isso apalpa a minha pele para que eu possa sentir algo, qualquer calor. digo que é melhor eu escrever uma carta ou fazer uma declaração de amor para quem também me ama, dar abraços fortes. mas foi assim, recomeço, o barco parou. pousou, sem vento. dormi ali que esqueci de tudo. acordei surpresa, alguém me cutucou, alguém que não sei quem será. um sonho tão real, tão real, meu amigo. ele volta, blasé é claro, me diz pois sim, ar marinha. deixo pesar o corpo, os bruços me põem de nuvem cheia, sem ventar. não me entenda mal, ele diz, não me entenda bem. estou só dizendo sem sentido. sim, eu sei, respondo. espinhos. mas é que essas horas de silêncio me chegam que titubeio falar, titubeio sentir. 

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