ela se levanta e ele está lá. o tigre de papel. amassado. como se um caminhão de mudança tivesse passado por cima. mas não. é igual. e de papel. já não se pode ver, a olho nu, formas, pontas, dentes. é chapado, planificado, gélido. como se nunca tivesse sido fogo. como se nunca tivesse tido vida. ela atravessa o rio, lá fora. fones de ouvido, sempre fones de ouvido. a vida que passa carregando tempo. e outros tempos, muitos perdidos, muitos, repetidos nas músicas em looping do repertório residual. de carinho, fica pouco. muito pouco. quase nada. só histórias. do corpo, só histórias. que a pele se troca e vão as marcas. nunca cicatrizes, só marcas que desmarcam. mas o tigre está lá. preso no quarto. sempre num quarto de dormir. janelas, portas fechadas. gavetas abertas. baús. no barquinho de papel manteiga ela não carrega nada. não pode pesar. senão não passa. e ela é passagem. quase nunca ficou. só no quarto de dormir. no quarto de dormir, nos arquivos, nas marcas que fazem a grafia, ali ela fica.
*
ele compõe uma canção nova. sobre meninas e barcos. tem vontade de colocar um e daí? dissonante. sempre dissonante. porque ama a distorção. e a guitarra fala mais do que qualquer coisa que tenha rabiscado. a guitarra é mais sua voz. e precisa do agudo, porque só nas cordas de aço se permite ser mais alto. e quase não se permite. e agora menina? e agora ela? e se. e se. e se. quem sabe. mas não. ele não sabe nadar. que não se diga assim, tão claro. por isso, usa outra voz sobreposta, interferências atropeladas, provoca ruído. porque foi tudo tão forte que prefere não dizer assim, claro. e termina a canção antes que venha um refrão. que ele não gosta das repetições. grava uma vez e não ouve mais. fica ali mais uma canção perdida. são tantas. sempre serão. barco só a motor, pensa desligando o equipamento. e ela ali, perdida, na canção sem play.
Nenhum comentário:
Postar um comentário