caoiá me deixou na praia numa noite quase dia, quando o céu por segundos fica muito azul marinho. azul-marinho que cresce clareando em azul celeste. ele me perguntou tem certeza mesmo de que você quer ir? eu sorri. ele repetiu. e disse que quando se diz adeus no mar há sempre esse risco de não voltar. nunca mais. eu disse, sim, honey, o tempo todo na vida. e ele insistiu, não é do seu corpo só, mas do teu verbo, das tuas paixões, da tua intensidade. eu respondi que não. aquele próprio gesto já era a intensidade pura e eu não me importava de viver ali. eu mesma era aquele barco e eu não era de ficar, eu era de ir. marinheira, eu sou. eu construi minha subjetividade nessas linhas de força desses canoeiros de um lado pra outro, de um lado pro outro, no eterno vai-e-vem. eu me criei no trânsito. ir é próprio da minha narrativa. e voltar. e rodar. não se engane.
acho que deixei caioá depois de ter falado por horas. comendo maçãs e lhe entregando mudas de avencas. eu estava partindo e havia esquecido como era gostoso ter a mão no mastro e sentir o vento no rosto, isso senti quando parti, e vi caioá, muito lânguido e soturno, ficando bem pequeno junto com o dia que se abria não mais azul, mas no movimento do preto que ficava cinza. movimento, ele ficava repetindo, lá de longe, baixinho, com ele mesmo, movimento.

Um comentário:

  1. mágico encontro trazido por nossos movimentos a esmo no universo em que o acaso é o agente mais poderoso, tal como aroeiras que não plantamos, tal como mangabeiras que plantamos com obsessivo gesto de querer que haja uma grande razão pra aguardar o nascimento de seus frutos, que demoram, pois demora a cada passo o processo de brotar, crescer, florar e enfrutescer, para que se possa colher e saborear uma mangaba, coisa boa de comer...

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