está escuro e eu vejo a moça deitada, molhada, no trampolim. respira ofegante e eu vi quando ela pulou e subiu, pulou e subiu, pulou e subiu. eu sai daquele corpo e sorrateira agora sou eu, quem a observa como a um fantasma. a chamo de volta. ela uiva. pra que testar limites, indago, em vão. leio alto um livro feito oráculo. digo: esse desejo é falta. ela (me) arredia: me deixe só. tu és, respondo dando a mão. o dia desabrocha, nublado, porque vem chegando o outono. ela se senta, seca, muito seca. tenho vontade de voltar pro sertão tem hora, me diz como a si mesma. sertão de mar, é aqui. estendo de novo a mão: vem pra terra firme. essa estabilidade não existe, entende, me recrimina. vem, insisto porque está a cada hora mais seca e eu desmancho com o sol. e desmancho dentro. vou para uma sombra e assisto, tempos depois, ela caminhar, lenta, triste, frágil, se equilibrando porque cabeça em pé. atravessa devagar uma pequena ponte e pousa seus pés descalços sob o estribo do cais. ela caminha até o concreto do chão logo ali, no porto. eu assisto. ela põe as mãos nos ouvidos e me diz, com os olhos, que queria ensurdecer. eu me pouso dentro dela, assim, assistindo. me pouso dentro dela com o olhar e sinto o chão queimar a sola do pé. viu como é árida a realidade dos pés no chão?, me sussurra e é só o que posso ouvir ainda que a cidade já comece a emitir o zunido do caos. as portas estão trancadas e eu me cansei de tentar abrir. não vê? não vê esses hematomas?, tento fazê-la voltar. por isso me abandonas? abandona o mar?, ela se volta e eu já estou ao seu lado porque o barco partiu como que se perdendo feito balão. tento dizer que essa quentura do chão tem a potência de nos deixar de pé e precisamos ficar de pé outra vez, porque vai começar a chover de novo. mas ela ensurdece. olha e não vê. chega de vento, digo pra mim, para que ela escute, de dentro. quando eu pulo, naquele trampolim, eu me esqueço do silêncio. e eu só ouço folia. respondo que entendo, mesmo aqui, de fora, porque já estive lá. foi que você abriu uma fenda, com os pés, mas as portas estão trancadas, insisto. falas como se não desse direito à ponto-parágrafo. falas sem parar, me alfineta. é que você grita, uiva, mas não diz uma só palavra, rebato. é para me esquecer do silêncio, já disse. o que há com o desejo dessa juventude latinoamericana?, feito uma só, nos indagamos silenciosas. digo alto, porque gosto assim, é proibida a paixão. é fraqueza. né não, vem dela uma voz molhada, que não mais corta. é um mal aspecto de plutão com vênus no nosso mapa astral. rimos, pela primeira vez. sobe uma vontade de voltar pra casinha....e a gente vai. novamente uma só.
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