
monet s/berlin
para luis fraenkel
tinha um gosto de desencontro na boca quando olhei aquelas gotas de chuva escorrendo pelo vidro do ônibus, enquanto cruzava o mar báltico. as gotas corriam paralelas e não se encontravam. olhei durante muito tempo aquele espetáculo transparente no vidro enquanto a paisagem ia fugidia. fazia muito frio. e eu desejei nunca mais voltar àquele país.
*
eu me sentei muito perto do mar, com joão sussurrando em meu ouvido e passei longas horas olhando o horizonte. fiz uma imagem dele caminhando pelas ruas de berlim, imaginei como estariam aqueles trajetos que fizemos no compasso ritmado de 4 pés. a beira do rio perto de casa, os sofás do bar vizinho, as árvores de kreutzberg; ele muito barbado, de sobretudo, andando pausadamente pelas ruas na companhia da labradora negra, pensando no próximo poema que iria escrever. desejei imensamente que o laranja daquele verão grávido que se insinuava aos meus olhos o trouxesse daqueles ventos frios do além-mar.
*
verão, você é quente como os beijos que perdi. é cheio de um amor que passou... que meu coração gostaria de esquecer, veio escrito junto com os postais que me mandou.
*
lorena era ruiva e se dirigiu ao filho italiano em português. começamos a conversar quando cruzávamos um mar com chuva e eu tive vontade de falar daquelas gotas paralelas, do azar do desencontro. foi quando eu perguntei você acredita em destino? acredito, mas eu sou muito manipuladora, me disse, num português tão claro, que eu pensei que tinha me decomposto naquela outra voz. e quanto mais ela contava da vida, e contava sem parar, eu me reconhecia nela. let it flow, me disse. o que tem que acontecer, acontece. enquanto isso eu colho trevos da sorte.
*
foi assim, duas gotas que seguiam separadas e se encontraram no final da janela, que nem caminhos cruzados, virando uma só. sossega teu coração, sossega, leoa. as bruxinhas canadenses sopraram em meus ouvidos uma canção. quando desci do ônibus, o amor estava me esperando em berlim.
*
o verão que criou nosso amor
me fez, depois, morrer de dor
*
depois de ter me visto nua, o amor; depois de ter riscado meu corpo, ficado feito tatuagem; depois daqueles dias de verão tão tórridos; da certeza do encontro; das promessas de felicidade; do girassol deixado na mesa do ninho, escrito em esperanto, que é pra te dar coragem, peguei as minhas little wings e segui viagem. e guardei em mim uma saudade laranja, que ele não entendeu. não tinha tradução. e eu não soube explicar. porque me ultrapassava.
*
voltará um outro inverno, ele me disse, cairão mil pétalas de rosas. a neve cobrirá tudo. e talvez um pouco de paz voltará, escreveu. desejei imensamente que ele coubesse num novo verão. este.
Nenhum comentário:
Postar um comentário