calhava de muitas vezes jorge voltar no alto de uma preamar.
voltava e encontrava rosa cheia de marcas, dentes, unhas.
era quando podia reconhecer no corpo moreno, que tanto lhe afagava, sua própria ausência na presença de outras mãos.
e era aí que não tardava novamente o desejo doido de partir.

mas não. cessara o vai-e-vem do canoeiro. e no agora rosa caminha pelas ruínas da cidade submersa.
não é dia, não é noite. porque não dormiu.
- é a maré. são as luas da maré.
soturna definha, feito folia, folia de dentro. era assim o mar no canavial. feito de bagas, de cinza, a memória do sertão.
rosa ia de rio. jorge havia morrido e aberto uma fenda, um abismo na beira, no corpo da espera.
encharcada, rosa se derramava desmemoriada, como se não conhecesse o mar, com os olhos loucos, de fuga, com o colírio de esquecimento no único bolso fechado.
ralada do asfalto, um corte muito fino, de navalha. feito tatuagem, um corte feito fosse linha que atravessa palavra. que palavra corta na carne, quando é preamar. vê e mente, cheia de água, que não sabe seu nome. é apenas mais uma morena na baixa. essa de carne, de corpo. encarna, incorpora os canoeiros todos, já que jorge morreu e aquela fenda etc. etc.
calhava de muitas vezes jorge voltar no alto de uma preamar. mas dessa vez mais não. o agora era tempo de ar. e água de chuva, de cano. que não cessava de jorrar até que baixasse a maré.

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