passo pela ilha de pedro e peço que embarque um pouco comigo no pradianti. meu irmão sabia de truques, tinha sabedoria de como levar o saveiro na maciota, de conversar com ele feito fosse gente. ele senta no convés, fumo de rolo e um pouco de cachaça para o vento frio, isso explica, me ensinando, mudo, que sabe ser brisa, embora tenha lá seus dragões. todos temos, explica mesmo que eu já saiba, e me mostra cicatrizes do mar com uma dureza que suponho, agora, uma autodefesa para enfrentar o tempo, o futuro. me diz muitas vezes, sem sucesso, que eu devo voltar para o cais, que o mar é muito perigoso para uma mulher. por que complicar? retruco, como poucas vezes faço, que meu destino é seguir. então vamos sentir essa maresia, me convida, sendo todo ouvidos para os meus sambas, minhas narrativas, minhas teimosias. faz questão de estourar, sem piedade, as bolhas de sabão que surgem no caminho quando da minha fala. ilusões, rosa, é enfático, porque pedro não tem meias palavras. por isso me faz perder um pouco de memória recente no caminho, me fazendo acessar um passado que sozinha não sou capaz. para que não escorregues, ensina, não se deixe levar por elas, bolinhas de ilusão. já não posso parar, repito. não suportaria, pedro. ele me olha como se soubesse algo que não sei. maneja o barco e rapidamente avisto chico numa ponta de areia, acenando, pedindo que nós encostássemos, que iria subir. é provável que a presença daqueles dois no meu pradianti me incomodasse muito, se fosse outro tempo. mas o velho chico subiu doce. não me pediu para voltar, porque sabia de mim como sabia de si. me disse só que as noites de tempestades também são boas para o amor. e cantou ao vento forte, me ensinando dele.
meu pai, mais do que ninguém, sabia levar aquele barco pradianti. 

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