canta canta canta, volume alto, ele berra lá da sala. eu respondo, tudo bem, desisti. estico meu corpo todo para poder tocá-lo. ele continua. falando sério. ele continua e rimos. nunca se poderia saber o que guardo na voz, nesta hora. quando a voz é um corpo todo. escrevê-lo seria da ordem do impossível. por isso não fico tentando adivinhar e pouso as mãos sobre o teclado porque está quentinho. e no inverno jamais se poderá tocar o outro com dedos frios. por isso, luvas de pelica. bisturi não que não me permitiria tamanha censura. basta a nossa de cada dia. a linguagem contornando feito casca nosso corpo. e ele insistindo em apunhalar os ovos, lá na sala de jantar.
faço troça quando ele diz punhal.
às vezes fica tão pesado que eu peço que ele segure um pouco essa mochila cheia de pedras. terno, me diz que é preciso que se pare de pesquisar tanto. esta paixão, este talento em recolher pedras, este desejo todo de guardar tudo que lhe aparece no caminho. isso diz, assim, com a poesia nos olhos. ele põe numa quina da parede e me mostra, sem saber, que aquele aquele peso é só meu.  que posso tomar café e um bolo e falar de nada de nada.
percorro as palmas das mãos inteiras sob a face e aperto os olhos para entender o que me acontece. e só sei isso: que acontece. castelos, diálogos, pulsações. vida feita de sopro, a escrita com o corpo todo. mas tudo aqui repartidinho nessas palavras, mil mundos em todas elas. buraco sem fim de sentido. o que eu vim falar não sei. por favor, desliguem esse microfone. vou cantar baixinho para ninguém me ouvir.
colocar roro seria uma jogada de punhal. punhalada, diz caioá que poderia chegar numa janela sms. então prefiro o disco de Lennon porque nova iorque já anda me chamando. Imagine só poderia chegar com gosto de baez. mas pra que tantas referências, por que tantas canções? quero ficar no teu corpo feito tatuagem.
faca nos dentes, corte fino, lento e agudo.
tomo litros, litros de água para engolir.
e rua, roque.
vamos pra rua. ele berra lá da sala: - sim.
 

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