marga tinha um aspecto muito magro, muito soturno. e era de uma beleza que desconfiava que muitos pudessem notar. porque tinha uma coisa que era só dela. bobo dizer isso, né, de uma beleza única e essencial? mas era assim que eu percebia marga. tinha a ver mesmo com a mania de perceber o mundo de uma dada forma ou de botar palavra naquilo que via. e essa beleza não era qualquer par de olhos que reconhecia. ela disse que eu devia continuar a escrever sem parar. que nem fechar os olhos e dançar, descalço. ela disse pra eu escrever assim, dançando. sentindo meu corpo vivo. aquecendo-o, afinando-o, 
então eu descarrilhei os dedos e fui enchendo caderninhos inteiros. ela me chamava para apenas estar. estar na escrita. eu explicava que eu não conseguiria se não fosse assim, dizendo, pulsando, estando viva na voz. se não fosse dar vazão ao corpo - todo ele, intenso do jeito que é - nunca valeria nenhuma paixão. então eu contei que um dia eu estava olhando o mar quando um vento me derrubou. chegou, sorrateiro, me derrubou, rápido como o instante-já. eu contei que eu fiquei no chão sorrindo, porque nada tinha acontecido comigo e foi engraçado de tão rápido. ela respondia sorrindo que era história de pescador, que não acreditava que um vento pudesse me derrubar. ela sussurrou qualquer coisa como o desejo é um vento que atravessa o corpo da gente. demorei e depois disse que achava que sabia isso.  porque tinha navegado com o desejo para chegar até ali, disse a estrangeira. foi com essa paixão que fui dando vida àquela escrita. 

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