caioá me avistou lá do alto e me disse, depois, que ficou muitas horas me olhando lá de cima, abraçada nos joelhos, cada dia mais morena. ele me veio rindo, irônico, como não podia deixar de ser:

- rosa, morena rosa...vim só ver os seus olhos de ressaca e te trazer esse vidrinho.

nego!, digo antes que termine

- staphasagria, em gotas, como você me pediu.
- vou tomar e sair pingando na boca dos outros.
- boca de batom vermelho carmim.
- cá pra nós tanta conversa, nego. risos ... me dê o vidrinho.
- você e essa sede.
- quero tudo.
- é disso que você vai atrás quando abandona a beira-mar?
- é. principalmente na roda de bamba. vamos jogar capoeira comigo?
- não faz meu tipo, baby, me diz, muito blasé. aliás, todo esse teu falatório quando começa a ficar muito folclórico, me enche o saco, nega.
- e do que você gosta?
- quando você samba. ri. aí eu pego carona....
- sei. rio
- rir pra não chorar
- adoro
- vamos para o mercado falar a língua do povo
- tô me guardando pra quando o carnaval chegar
- mentira. ri
- porque já chegou.

rimos juntos

- me arrepio todo.
- finalmente humano te vejo.
- é que você sempre vem com esse lamento de poeta, nega.
- a poesia desestabiliza, caioá. perverte.
- mas fazes ficção também de carnaval.
- a ética da ficção é a estética do carnaval.
- nega, eu acho que tu podia acreditar menos no teu fingimento.
- me dê o vidrinho que eu paro de psicografar...
- até quando você vai esperar jorge aqui na beira?
- ele vai chegar.
- jorge está em aiocá, nega.
- então é pra lá que eu vou.
- és rainha, morena.
- sou sereia.

rimos muito

- e tu?
- não sou marítimo, baby. não faz meu tipo, me diz, muito blasé.
- e de onde vens?
- sem esse papo de origem. estamos de férias.
- és sertanejo.
- engraçado a gente falar disso aqui de frente pro mar.
- caioá, você é do canavial. veja, vem me ver de roupa nesse sol.
-mas hoje eu vim sem manga e de verde bandeira. ah, acho que vou até tomar banho de mar.
- seu blasé.
- vamos pra ilha de maré?
- maré cheia?
-baixa, maré baixa, nega. vamos ver peixinhos.
- a lua está minguando. ufa.
- eu soube, viu? que tu estavas impossível neste eclipse.
- quem lhe disse?
- a guerrilheira.
- sabes que a lua cheia me deixa doida.
- já subi muito nesse pool contigo.
- nesse pool?

rimos muito. caimos na areia para olhar o céu com aquelas crises de riso que doem a barriga.

- por onde você andou que me deixou aqui sozinha?
- que sozinha o que, nega? deixa de ser sonsa. ficas nessa fantasia de margarida apaixonada mas eu sei que quando sai daqui, já elvis. por isso deixa dessa história de ficar nuvem. e fique mais encarnada.

arrebato-lhe num abraço e rimos muito. sujos de areia. profanos.

- nega, você está ininterruptamente embriagada.
- não, querido. a lucidez é invariavelmente ébria.
- tás no mundo.
- deitada. rio
- por cima.

ai meu deus. rimos muito.

- alegria é a prova dos nove, caioá.
- que tás aprontando, nega?
- se é proibido sonhar, então me deixe o direito de sambar.
- armando dias...
- ai que saudade de sally
- eu sei. quando vocês eram armando dias júnior.

ficamos em silêncio olhando o desenho das nuvens.

- esquece jorge, esquece esses canoeiros, minha amiga.
- eles me hipnotizam...
- porque jogas o jogo.
- jogo o jogo do acaso, caioá.
- você é a pessoa mais aiocá que eu conheço. por isso veja, vá sambar essa felicidade de livre ser.
- bora comigo?
- é isso que faço agora, não vê.

sorrimos. doces. e bárbaros.

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