- acredite.
- mas eu acredito. (pausa) no acaso.
- e por que essa bagunça?
- porque o ano inteiro passou e eu ainda não consegui organizar minhas coisas, entendeu?
- não.
- doutor, foi uma desarrumação absurda. arranquei paredes, derrubei telhado, como me descreveu um amigo.
- e agora? me fale sobre o agora.
- eu levei pra outro lugar a bagunça, entendeu? e continua ainda tudo meio desarrumado. entraram uns caras no puxadinho, roubaram umas coisas e deixaram tudo no chão.
- foi assalto?
- foi.
- e o que mais?
- e isso. me sequestraram a voz.
- isso é muito grave.
- é por isso que estou aqui, doutor.
- eu já lhe receitei algumas alquimias.
- eu sei, doutor. mas eu esqueço. tenho desconfiado que diante disso só posso continuar assim, louca. porque só assim consigo - com a voz - alinhavar as coisas, a vida que vai se desdobrando nas coisas e vez ou outra se desarrumando.... com o vento, com os outros....
- não. se organize. disciplina é liberdade, dizem por aí.
- esses dias eu abri um livro e tinha uma foto dele. eu o amei muito, doutor.
- não parece.
- é que eu apaguei tudo da memória.
- há pessoas de nervos de aço, minha filha.
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